A vida está cheia de encontros e desencontros, de marcas e de sinais. É um facto! Há dias, num inesperado e inusitado encontro com um paroquiano, fui questionado sobre o sentido de vida e sobre o porquê desta maleita/peste ter levado consigo um ente querido. “Por que é que Deus permite isto? Onde está Deus? Esta pandemia é um sinal e um castigo de Deus”? Certamente cada um de nós ou já se questionou ou já foi questionado sobre este tema. A verdade é que falamos pouco da morte. Melhor dito, falamos sempre da morte do outro e nunca da nossa. A morte e a experiência da morte (ou da nossa morte) é uma experiência sempre única e incomunicável, é profundamente íntima e irrepetível. Temos medo da morte porque temos medo da vida. Vivemos sempre sem pensar na morte. Julgamos e damos como certo o dia de amanhã, quando na verdade o amanhã pode ser ou não ser uma realidade para nós.
A Igreja, na sua milenar sapiência, sempre nos recorda da morte e da importância de fazer da vida a preparação para morte. Quanto mais e melhor pensarmos e trabalharmos a morte, mais ela se torna para nós “desejável”. É tão paradoxal e tão estranho para nós isto… Como pode a morte ser “desejável”? Como podemos abafar o instinto tão forte de sobrevivência? Na verdade, a espiritualidade aponta-nos sucessivamente para a nossa origem e meta, ou seja, vimos de Deus e para Ele deveremos voltar. A vida é, pois, lugar de purificação e de construção de laços de amor e de verdadeiros e autênticos afetos, de promovermos o bem comum e o bem maior, de proporcionarmos a todos o melhor possível na igualdade, no respeito e na dignidade, de fazermos do mundo um lugar de paz, de solidariedade e de fraterna comunhão.
Em Cristo a morte foi vencida, a morte já não mata! A morte não é já o fim, mas a porta para o regresso ao coração de Deus, nosso Senhor e Criador. A nossa vida é, portanto, uma preparação permanente para a morte. A preparação para o bem morrer dá-se no discernimento espiritual, isto é, no perguntar-se: “o que faria Jesus no meu lugar?” (Frei Inácio Larrañaga). Isto é o discernimento espiritual. É colocar Deus como parceiro na decisão das minhas opções fundamentais. Ainda há dias um outro paroquiano, partilhando o fracasso de um projecto pessoal, me inquiriu: “Sr. Padre eu vou sempre à Santa Missa, ajuda sempre que posso a Igreja, e porque é que a minha vida corre sempre mal? Porque razão este projecto fracassou? Onde está Deus? Porque não me ajudou?” A resposta só pode ser uma. Teremos sempre que lhe dizer: “rezaste a Deus sobre o teu projecto, sobre o teu plano de negócio, sobre a tua decisão?” Isto é importantíssimo: temos de rezar as nossas decisões! Temos de colocar os nossos projectos, desejos, e decisões nas mãos de Deus. Pois se as coisas forem da vontade de Deus elas frutificam e projectam-se no tempo, se não cairão estrondosamente. Basta recordar o discernimento profético de Gamaliel(1): se é de Deus vinga, se não termina.
Posto isto, urge proclamar: não desesperemos. O desespero é próprio de Satanás: ele vive constantemente desesperado porque para ele já não há salvação; ele está já condenado. E como esta é a sua condição, Satanás quer-nos fazer crer que não há esperança, fazendo crescer em nós o desespero. Escutemos atentamente as palavras de Nossa Senhora aquando da visita do Arcanjo São Gabriel: “faça-se em mim segundo a tua palavra”. O “fiat” (entenda-se, “faça-se”) de Maria é a expressão mais eloquente da esperança. Em Deus temos um caminho, temos um projecto de felicidade e de descoberta integral da vida. N’Ele se assenta a nossa esperança. Aliás, Ele é a nossa esperança. Por isso, o desespero não pode fazer parte do “cardápio” da vida cristã, antes deve fazer nascer uma esperança criativa, criadora e construtora.
Em suma, somos desafiados a confiar a Deus a nossa própria vida, as nossas decisões e opções fundamentais. Ele tem para cada um de nós um projecto de felicidade e de plenitude. Saibamos rezar a nossa vida; saibamos discernir qual o caminho que Ele tem preparado para cada um de nós. Não suceda que, perdidos com o mundo material e distraídos com as seduções de Satanás, não tenhamos nenhum caminho, nenhum projecto ou nenhuma missão.
Na verdade, não há maior tristeza na vida do que passar pela vida sem que a vida tenha passado por nós, sem que ela nos tenha abraçado e abrasado no fogo da paixão e do amor, sem que nos tenhamos dado e doado ao outro. Termino com esta muito humilde sugestão e reflexão provinda da sabedoria popular: Quando não há caminhos, há atalhos; e nos atalhos metemo-nos sempre em trabalhos.
(1) Convido a que leiam a “Catequese do Papa Francisco: Critérios de discernimento propostos por Gamaliel” (18.9.2019).
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