Gostava de convidar o leitor na humildade desta minha reflexão, a redescobrir o perdão na sua dimensão espiritual e no alcance vital, curativo e renovador que ele contempla.
Comecemos por ler o segundo capítulo do Evangelho de São Marcos, particularmente nos versículos 1 a 12. Em resumo, Jesus cura um paralítico. Mas o que traz de extraordinário esta cura? A resposta encontramo-la nos versículos 8 a 12 ao afirmar: «Porque pensais assim nos vossos corações? Que é mais fácil? Dizer ao paralítico ‘Os teus pecados estão perdoados’ ou dizer ‘Levanta-te, toma a tua enxerga e anda’? Pois bem. Para saberdes que o Filho do homem tem na terra o poder de perdoar os pecados, ‘Eu te ordeno – disse Ele ao paralítico – levanta-te, toma a tua enxerga e vai para casa’. O homem levantou-se, tomou a enxerga e saiu diante de toda a gente, de modo que todos ficaram maravilhados e glorificavam a Deus, dizendo: «Nunca vimos coisa assim».

É o espanto que domina o texto. Entre a perplexidade e a incredibilidade, Jesus revela o que é divino, o que é somente divino, ou seja, o poder de recriar, o poder de voltar à origem, à forma primitiva, à vida sem o pecado. Recordemos o episodio bíblico do Géneses que, com a mordida da serpente (de Satanás, entenda-se), o homem torna-se mortal, doente, frágil e interiormente desordenado. E é aqui que Jesus revela o que Ele é: Deus. Entendamos o seguinte: o espanto das pessoas que assistiam a esta cura deve-se ao facto de que o perdão só era dado pelo próprio Deus. Um homem que perdoa é um blasfemo, é alguém que quer tomar o lugar de Deus. No entanto, Jesus para provar que realmente tem esse poder, Ele vai e cura o paralítico.

Entendido isto, começamos a compreender que o perdoar os pecados e a cura (física) são a mesma e única realidade. Aliás, espiritualmente falando, uma implica a outra e uma pressupõe a outra. Abre-se-nos, pois uma nova descoberta: o perdão e acto de perdoar os pecados só existe no mundo espiritual. No mundo material o perdão não existe. Quando nós somos feridos, fica uma marca, fica uma cicatriz: a natureza não perdoa. A natureza deixa as sequelas do que aconteceu. Se, por exemplo, eu partir um objecto, por mais cola que lhe coloque, o objecto nunca mais é o mesmo. Fica sempre nela a marca do que aconteceu. Nesta ordem de pensamento, compreendemos que connosco acontece a mesmíssima coisa: as marcas das dores, das ofensas, das amarguras, dos desânimos e desalentos, das ofensas, da inveja, da ira, do ciúme e da violência, deixam em nós marcas tão profundas e feridas incicatrizáveis. Podemos remendar, mas nunca mais é a mesma coisa.

No mundo material não existe o recriar. Na verdade, o perdão é isto mesmo: é um recrear, um voltar ao estado originário. É um doar permanente de vida, um recomeçar, um voltar à forma primeira e original. Perdoar é da ordem do mundo espiritual. Compreendamos que o perdão é para a natureza uma realidade desconhecida, como o é também para a vida animal. Como é belo isto! Como é bom pensar nisto. Desde logo porque isto nos faz tocar na nossa própria ferida, naquela ferida provocada pelo orgulho genesíaco, pela tensão permanente de buscarmos satisfação, prazer e segurança no mundo material. Um coração (uma alma) voltada para o mundo material nunca entenderá o que é doar, o que é dar a vida, o que é amar e o que é perdoar.
(continua na próxima edição)

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