(continuação da edição anterior)
Precisamos urgentemente de nos elevarmos do mundo material, de nos erguermos e levantar os olhos para o alto, de pararmos de rastejar e comer o pó da terra para começarmos a ser aquilo que estamos desde a origem destinados a ser: criaturas abertas à transcendência e ao irmão (ao outro igual na mesmíssima dignidade), capazes se doarem, de fazer vida em Deus e com Deus. Esta vida nova é-nos dada no perdão: quando perdoamos e quando somos perdoados. Por isso, o Sacramento da Reconciliação (vulgarmente chamado de ‘Confissão’) é chamado por muitos teólogos como “um novo baptismo”. Mas porquê? Porque pela sua força sacramental permite ao fiel (ao penitente) sentir a graça de um re-começar, de um começar tudo de novo já sem marcas, já sem feriadas, já sem nódoas, um voltar à pureza original. Atrevo-me a dizer que é um Sacramento dador de vida, um Sacramento da cura e da libertação.
Algumas vezes ouço no Sacramento da Reconciliação os fiéis a dizerem-me que não se sentem perdoados, uma vez que confessam repetidamente aquele pecado. E é normal, pois o sentimento é animal, o sentimento é parte daquele mundo que não conhece o perdão. Entendemos, deste modo, a atitude prodigiosa de Jesus ao curar e ao perdoar este paralítico. Faz-nos tomar consciência que no mundo material não há um voltar atrás sem sequelas, sem feridas ou sem marcas. Jesus é, pois, a cura física e espiritual. N’Ele – encarnação de Deus Uni-Trino – a criação é assumpta, é elevada a nova realidade sobrenatural e invisível, é o regressar ao original e ao único.
Acima da natureza e das suas regras fixas e inalienáveis, o perdão e o acto de perdoar manifestam, portanto, a presença e a força de Deus, o amor sem fim e a misericórdia inenarrável de Deus. Santo Agostinho chega a dizer que o milagre da salvação de um pecador, da justificação de um pecador, é um milagre maior do que a criação do céu e terra. Sim, o perdão é o grande milagre. Não só é aquele que nos faz retomar a vida original, um voltar atrás, um começar de novo, como também cura, definitiva e perpetuamente, as feridas provocadas pelas nossas más escolhas e equivocas opções, pela dor e pela violência provocadas por nós e sentidas em nós, pela nossa atitude desviante prepotente perante o Dom e Mistério de Deus que nos convida e nos conduz ao caminho da Luz, da Verdade, do Bem e da Vida.
Se tivéssemos a coragem e a ousadia de pensar como é grandioso o perdão, estou certo que nos confessaríamos com mais e maior regularidade (e até com mais afinco!), que apontaríamos a nossa vida para uma vida que se assemelhasse àquela que Deus Nosso nos propõe: a uma vida mais espiritual, mais voltada para o silêncio orante, para a esperança alegre e firme e para a caridade genuína. Esta ousadia – direi mesmo, este rasgo! – far-nos-ia sentir o milagre da cura e da libertação. O milagre da vida: da vida nova dada em Cristo Jesus! Curados das nossas dores e dos nossos sofrimentos, o dom do perdão dar-nos-á a oportunidade única de experimentar o amor mais pleno, mais genuíno, mais autêntico e mais livre. Por outras palavras, viveríamos como pessoas novas e novas pessoas, marcadas com o sinal indelével do perdão, da liberdade, da verdade, da vida, do bem e da misericórdia.
Saibamos apontar e elevar o nosso coração para Deus. Saibamos sentir em nós a misericórdia divina que cura, perdoa e dá vida. Consigamos aprender e ensinar que o homem é muito mais do que a sua natureza animal.
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