Após a leitura, simultaneamente intrigante e inquietante, do livro “Silêncio na era do ruido” de Erling Kagge, e que vivamente recomendo a sua leitura, suscitou em mim fazer – e aprender a fazer – silêncio.
Na verdade, o silêncio, quando estamos só nós, na nossa intimidade, nos nossos pensamentos e ideias, o futuro deixa de ser relevante. Não pensamos no futuro. Estamos presentes na nossa própria vida. Como dizia o filósofo Martin Heidegger: “o mundo desaparece quando nos lançamos nele”. E é precisamente isso que acontece quando nos lançamos sem medo e nos deixamos contagiar pelo silêncio. O inquietante Erling Kagge afirma que “o silêncio acabou por colar-se a mim. Não tendo contacto com o resto do mundo, só e isolado, sentia-me forçado a ponderar os pensamentos que já possuía. E, o que é pior, os meus sentimentos”.
Gostava de partilhar convosco um ditado norueguês que, de uma ímpar finura e pertinência, assevera que “o mais importante de tudo não é tanto aquilo que somos, mas aquilo que fazemos com que nos acontece”. É precisamente nisto que, sucessivamente e de geração em geração, estamos a fugir ou em contínua negação. Voltemos a Erling Kagge. Diz ele: “sempre que me desvio desta rotina e me sento tranquilamente só no meu quarto, sem nenhum objetivo, sem nada para verificar, o caos emerge. É difícil só estar ali, sentado. Surgem inúmeras tentações. O meu cérebro que tão bem funciona em piloto automático, deixa de poder ajudar-me. Não é fácil não fazer nada quando nada se passa, tudo está calmo e estamos sós. Frequentemente, opto por fazer não importa o quê, em vez de tentar encher o silêncio com a minha própria vida pessoal. A pouco e pouco, cheguei a conclusão de que a origem do muitos dos meus problemas reside precisamente nesta luta”.
Nesta ordem de pensamento, compreendemos o que o filósofo Blaise Pascal, no século XVII, afirmou: “todos os problemas da humanidade decorrem da incapacidade de um homem ficar tranquilamente sentado sozinho no seu quarto”. Pascal acerta em cheio! Por isso, “o desassossego que sentimos está connosco desde sempre; é o nosso estado natural. O presente fere, como sagazmente afirma Pascal. E a nossa resposta a isto consiste em procurar incessantemente novos objetivos que atraiam a nossa atenção para fora e para longe de nós” (Erling Kagge).
Com efeito, o silêncio é, precisamente, o oposto de tudo isto. Por outras palavras, é premir o botão que nos permite entrar naquilo que estamos a fazer, isto é, sentir, em vez de ‘só’ pensar. Ao sentir o que estamos a fazer, a vida torna-se desafiante, inquietante e motivadora. É certo que não podemos retirar da equação das nossas existências a morte e as suas múltiplas consequências e idiossincrasias. Nós caminhamos para a morte e não há nada neste mundo que nos faça vencer a morte. Aliás, o único remédio para a morte é a Eucaristia (digo-o porque o sinto – e sei – como fiel crente), mas isto são ‘contas de outro rosário’. O que pretendo re-lembrar é que a morte é, por si, silêncio; perante o mistério da vida e da morte só o silêncio preenche e consola.
Aqui chegados, percebemos o drama da nossa existência não é tanto o ‘medo’ da morte, mas de não ter vivido o tempo que nos é dado viver. E esse medo aumenta no fim da vida quando nos percebermos que, em breve, será tarde demais… Afinal, qual é o maior drama? É tomarmos consciência de que, no tempo que nos foi dado viver, não estivemos particularmente presentes e que vivemos uma vida que não é nossa, uma vida que é de outros, uma vida que não traduz quem eu sou e o que sou chamado a dar e a ser. Erling Kagge assevera que “o lamentável é termos desperdiçado uma parte tão grande da oportunidade de viver uma vida com plenitude, termos evitado desenvolver o nosso potencial e termos permitido distrair-nos”. Deveríamos meditar com Séneca quando afirma que “a vida é longa se soubermos como a usar”.
Em síntese, nós temos consciência de que existimos, mas poucos de nós se permitem viver a vida que é a sua. Este é um problema que tem tanto de comum como de velho. Aliás, basta ler com alguma atenção a história da filosofia clássica para nos apercebermos disso mesmo. Já o arrojado Séneca – que viveu há de dois mil anos (!) – testificou que “a vida é muito curta e cheia de ansiedades para aqueles que se esquecem do passado, que não fazem nada no presente e temem o futuro. Quando se aproximam do fim, esses pobres coitados apercebem-se demasiado tarde de que durante todo esse tempo só estiveram preocupados em não fazer nada”.
Várias perguntas podem – e devem – ser suscitadas. Porém, gostaria que pudéssemos reflectir sobre quem eu sou, sobre o que estou eu a fazer, que vida eu vivo, que vida eu almejo, que dom eu sou na vida dos outros, que vida é a minha sem Deus e com Deus. O silêncio projecta-nos para nós mesmo, para o que Deus sonhou e deseja ardentemente para nós. O silêncio transforma e imprime sentido. Não tenhamos medo de silenciar, de fazer do silêncio casa e abrigo, espaço privilegiado de consolo, de sentido e de vida.

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